domingo, 15 de novembro de 2009

Desabafo

Essa tinta não me pertence. E esse papel, tão reduzido! Mas se há tanto para te confessar, por que cargas d'água não consigo? Tenho muito para falar; guardo tanto. Mas vou tentar.

Montpellier, 09 de fevereiro de 1959.

Meu caro,

Tenho de dizer que cansei de te esperar. Esperar que tu cumpras aquilo que, quando menos pensava ou pretendia, prometias. Estafei de aguardar essa vontade - primeiro tua - amadurecer; esse olhar me perfurar, maltratar, fazer doer; esses teus desejos e pedidos de estar perto tornarem-se verdade.

Quanto mais me chamas mais longe fazes questão de te apresentar. O que queres, afinal? Confundir-me? importunar-me? - ou pior - enamorar-me a ponto de me aprisionar? Desculpe, querido, mas não há graça em tal castigo que queres me condicionar.

"Tu és responsável por aquilo que cativas", já dizia o poeta. Concordo; ratifico. E se há um culpado desse amor, tu és, oh malfeitor.

Já que não tiveste zelo comigo, todo cuidado merecido, de hoje em diante, será mais prazeroso dedicar-me a tornar este sentimento noutro que cultivá-lo como o fiz até aqui. Tirarei, pois, um peso de mim e me perdoarei ao isentar-me da responsabilidade de te ver sorrir, de te fazer feliz, de viver em função de ti.

Passar bem,
Isabelle


SOUZA, Daniele.