Minha memória é, por conta própria, condicionada a captar do universo apenas aquilo que lha convém. E, de nós dois, é isto que percebo.
Vasculhando rastros de nossos momentos, debruço-me por sobre um fato sem par. Uma escassa e ingrata, única imagem capaz de a mim provar que não é sonho o que entre nós há. Por mais força que faça ou por mais vontade que tenha, dos meus sentidos só um não resiste em confiar-me nossa tão casta e símplice história. Ah, e meus lábios riem-se ao lembrar de como conversam nossos olhos. Olhos que se entendem, dançam entre si e confortam-se - como que parecendo serem donos de uma certeza relativa ao futuro. Tais que parecem saber que, não muito distante, poderão estar mais íntimos - tão íntimos! - a ponto de, então, confundirem as marcas de suas impressões advindas de tudo que difere deles - fundindo-os, inacreditavelmente, em um só.
E - será possível!? - constituirão um só; um só ângulo, uma só herança. (Contudo, não perdendo-se a pluralidade de informações, mas, sim, acrescendo-se intensidade, qualidade e maior importância na arte do observar.)
Nossos olhos interagem tanto! E como entendem-se! Causa-me espanto.
Nossos olhos conversam tanto! a ponto de aquilo que é externado e pode, pois, ser testemunhado pela atmosfera local ter de contentar-se estar em segundo ou mesmo em nenhum plano - já que, de tudo, o que cuido eu em guardar são os sincronizados movimentos de seus, nossos olhos. Eles se bastam! (E ditam mais a mim o que preciso saber que todas as demais formas de expressão poderiam me descrever.)
Nessas nossas conversas - em que o assunto é um pretexto e o que importa é a companhia - nossos olhos se amam, fazem juras, casam-se e, desde já, são felizes para sempre. Que curioso que é isto, pois em tão peculiar diálogo, posso depreender respostas e ter certeza do "sim" que vem do olhar de meu amado.
SOUZA, Daniele.
