Cenário: Nova Iguaçu; acontecimento: professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental que fazem a chamada "dobra" recebem por esta apenas a metade do que deveriam. Trocando em miúdos, cidadãos trabalham dobrado - às vezes, mais do que isso - e não tem aquilo que lhes é de direito: o salário equivalente à tarefa a que se dedicam.
Fosse há um tempo atrás, em que a tolerância ao descaso social era menor, esta manchete - que poderia ser de qualquer jornal da Baixada ou, até mesmo, do Brasil - teria respostas nada agradáveis aos seus causadores. Nela, observo um episódio que, de tão comum, tornou-se, ao ver de muitos, banal. É importante, contudo, que, principalmente esses, atentem para o fato de que a lesão aos educadores causadas não limita-se à relação de profissionais da categoria, mas, com propriedade, extende-se atingindo a clientela por eles atendidos: pais e alunos, família, base social.
Uma teoria científica que há muito convencionou-se usar como ditado popular - por sinal, muito pertinente - afirma: Toda ação sofre uma reação. (Com algumas adaptações aqui ou acolá, mas em suma, é isso.) Pensando nisso, gostaria que voltássemos nossos dotes de cidadãos para avaliar a situação que aqui se expõe sob uma perspectiva ampla e global - coisa que em nossa agitada vida não nos prestamos a fazer. É notório que o dado apresentado tem como tema a educação. E, para melhor entendermos o mesmo, primeiramente, abordaremos sobre suas causas - que, por um acaso, são justamente onde se pode buscar hipotéticas soluções, propostas - e, enfim, as consequências de uma educação decadente - que já estamos saturados em espectar e, ainda mais, de protagonizar. Acompanhar esse raciocínio é o mesmo que pensar: "Que ações estão provocando tais reações no âmbito educacional?" E eis que, sem levar o pensamento muito ao longe, é possível encontrar algumas respostas coerentes.
Na estrutura do problema encontra-se o governo - não um governo qualquer, mas uma sucessão deles - que, desde sempre, tem "maquiada" a sua real função: alienar a massa. Dito de outra forma, seu propósito maior, ao contrário do que é propagado nos veículos de comunicação através de mensagens já pouco convincentes, não é de formar cidadãos, nem tampouco conceder a alguém condições dignas de vida, mas criar "máquinas" reprodutoras de uma realidade mesquinha que cada vez mais o fortalece e solidifica.
Em direção contrária a essa postura governamental estão os professores. Mas estes, infelizmente, são tão limitados quanto a maioria de nós. Enfrentam, diariamente, além de seus desajustes pessoais, a falta de subsídios para realização de um trabalho com maior eficácia; má remuneração - o que lhes confere a necessidade de trabalhar em vários turnos, comprometendo, certamente, a saúde; desestrutura física e psíquica do profissional que, como se não bastasse tudo o que tem de enfrentar, é desvalorizado; e outros.
O aluno, por sua vez, é receptor da deficiência do governo e do professor; é vítima de um ensino que, falando abertamente, a ele não faz sentido algum; é condicionado a um baixo rendimento escolar devido a agravantes como má alimentação; e, assim, é quase forçado a procurar meios que lhe deem um retorno mais rápido e consistente que a escola, segundo suas exigências e necessidades, como o trabalho - tendo como principal oferta a ilegalidade, a criminalidade.
Com um panorama superficial do sistema em que vivemos, chegamos a uma de suas numerosas consequências: a exclusão social daquele que não cumpre as exigências civis. Daí extraímos mais uns "derivados tortos" dessa exclusão: o não engajamento desse excluído em momento algum no mercado de trabalho e na sociedade, a total marginalização - uma espécie de "empurrão" para a prática da violência. Que, evidentemente, converte esse triste retrato inflexível da sociedade em retornos gravíssimos.
O interessante é ver o mesmo poder que molda bandidos, puni-los por uma realidade caótica estabelecida a que, pode-se dizer, fomos todos conduzidos. Mas, como brasileiros que somos - quer queira, quer não queira -, não devemos perder as esperanças! Para reparar ou recuperar toda uma história de sofrimento e dor a que uma vida foi sujeita, ironicamente, são utilizados investimentos maciços em extermínio dos mesmos e/ou amontoamento dos delinquentes em prisões indignas de abrigar animais - o que diremos de seres que, ao que me consta, são humanos.
Há milhões de Marias, Franciscas, Joãos e Josés - todos da Silva - espalhados por aí, os quais não tiveram ao menos a chance de tentar lutar por seus direitos, reafirmar sua dignidade, ou mesmo conquistá-la. Uns, por nunca tê-los querido. Outros, talvez, pelo fato de não os terem apresentado tal possibilidade.
Se algum dia o contrário acontecesse, tenho em mim que, então, conheceríamos algumas soluções para as impunidades que de nós tira a humanidade. Resgataria, quem sabe, um pouco daquele orgulho que sentia quando criança ao ver hastiada a bandeira - orgulho, hoje, literalmente sem eira, nem beira, sem paredes, teto ou chão; daquele patriotismo ufano, esquecido e empoeirado nos livros de velhos guerreiros, saudosos do passado, envergonhados do presente e desesperançosos quanto ao futuro que esperam não conhecer.
Permito-me, nas últimas palavras, ressaltar que não me surpreenderia saber que estas, se ouvidas ou lidas, podem despertar sonhos e desejos revolucionários, acordar corações amantes da vida - ansiosos por honra, ordem e progresso -, arrancar sorrisos vazios, lágrimas profundas e pensamentos duradouros - guardados, neste momento, como que para sempre - mas que logo, serão vagos e, então, faltos. Essa não surpresa existe pelo conhecimento das primeiras emoções, fruto da vida e da vontade que, felizmente, ainda arde e bate dentro do peito; conhecimento também da fatalidade que se segue com o abandono dos primeiros pensamentos, vinda do ciclo vicioso em que insistem nos converter. (Ciclo esse onde vivemos, vivemos... e mal sentimos. Que, de forma inexplicável, rouba-nos a sensibilidade e tudo que ainda teimo eu acreditar ser inato ao homem.)
Fosse há um tempo atrás, em que a tolerância ao descaso social era menor, esta manchete - que poderia ser de qualquer jornal da Baixada ou, até mesmo, do Brasil - teria respostas nada agradáveis aos seus causadores. Nela, observo um episódio que, de tão comum, tornou-se, ao ver de muitos, banal. É importante, contudo, que, principalmente esses, atentem para o fato de que a lesão aos educadores causadas não limita-se à relação de profissionais da categoria, mas, com propriedade, extende-se atingindo a clientela por eles atendidos: pais e alunos, família, base social.
Uma teoria científica que há muito convencionou-se usar como ditado popular - por sinal, muito pertinente - afirma: Toda ação sofre uma reação. (Com algumas adaptações aqui ou acolá, mas em suma, é isso.) Pensando nisso, gostaria que voltássemos nossos dotes de cidadãos para avaliar a situação que aqui se expõe sob uma perspectiva ampla e global - coisa que em nossa agitada vida não nos prestamos a fazer. É notório que o dado apresentado tem como tema a educação. E, para melhor entendermos o mesmo, primeiramente, abordaremos sobre suas causas - que, por um acaso, são justamente onde se pode buscar hipotéticas soluções, propostas - e, enfim, as consequências de uma educação decadente - que já estamos saturados em espectar e, ainda mais, de protagonizar. Acompanhar esse raciocínio é o mesmo que pensar: "Que ações estão provocando tais reações no âmbito educacional?" E eis que, sem levar o pensamento muito ao longe, é possível encontrar algumas respostas coerentes.
Na estrutura do problema encontra-se o governo - não um governo qualquer, mas uma sucessão deles - que, desde sempre, tem "maquiada" a sua real função: alienar a massa. Dito de outra forma, seu propósito maior, ao contrário do que é propagado nos veículos de comunicação através de mensagens já pouco convincentes, não é de formar cidadãos, nem tampouco conceder a alguém condições dignas de vida, mas criar "máquinas" reprodutoras de uma realidade mesquinha que cada vez mais o fortalece e solidifica.
Em direção contrária a essa postura governamental estão os professores. Mas estes, infelizmente, são tão limitados quanto a maioria de nós. Enfrentam, diariamente, além de seus desajustes pessoais, a falta de subsídios para realização de um trabalho com maior eficácia; má remuneração - o que lhes confere a necessidade de trabalhar em vários turnos, comprometendo, certamente, a saúde; desestrutura física e psíquica do profissional que, como se não bastasse tudo o que tem de enfrentar, é desvalorizado; e outros.
O aluno, por sua vez, é receptor da deficiência do governo e do professor; é vítima de um ensino que, falando abertamente, a ele não faz sentido algum; é condicionado a um baixo rendimento escolar devido a agravantes como má alimentação; e, assim, é quase forçado a procurar meios que lhe deem um retorno mais rápido e consistente que a escola, segundo suas exigências e necessidades, como o trabalho - tendo como principal oferta a ilegalidade, a criminalidade.
Com um panorama superficial do sistema em que vivemos, chegamos a uma de suas numerosas consequências: a exclusão social daquele que não cumpre as exigências civis. Daí extraímos mais uns "derivados tortos" dessa exclusão: o não engajamento desse excluído em momento algum no mercado de trabalho e na sociedade, a total marginalização - uma espécie de "empurrão" para a prática da violência. Que, evidentemente, converte esse triste retrato inflexível da sociedade em retornos gravíssimos.
O interessante é ver o mesmo poder que molda bandidos, puni-los por uma realidade caótica estabelecida a que, pode-se dizer, fomos todos conduzidos. Mas, como brasileiros que somos - quer queira, quer não queira -, não devemos perder as esperanças! Para reparar ou recuperar toda uma história de sofrimento e dor a que uma vida foi sujeita, ironicamente, são utilizados investimentos maciços em extermínio dos mesmos e/ou amontoamento dos delinquentes em prisões indignas de abrigar animais - o que diremos de seres que, ao que me consta, são humanos.
Há milhões de Marias, Franciscas, Joãos e Josés - todos da Silva - espalhados por aí, os quais não tiveram ao menos a chance de tentar lutar por seus direitos, reafirmar sua dignidade, ou mesmo conquistá-la. Uns, por nunca tê-los querido. Outros, talvez, pelo fato de não os terem apresentado tal possibilidade.
Se algum dia o contrário acontecesse, tenho em mim que, então, conheceríamos algumas soluções para as impunidades que de nós tira a humanidade. Resgataria, quem sabe, um pouco daquele orgulho que sentia quando criança ao ver hastiada a bandeira - orgulho, hoje, literalmente sem eira, nem beira, sem paredes, teto ou chão; daquele patriotismo ufano, esquecido e empoeirado nos livros de velhos guerreiros, saudosos do passado, envergonhados do presente e desesperançosos quanto ao futuro que esperam não conhecer.
Permito-me, nas últimas palavras, ressaltar que não me surpreenderia saber que estas, se ouvidas ou lidas, podem despertar sonhos e desejos revolucionários, acordar corações amantes da vida - ansiosos por honra, ordem e progresso -, arrancar sorrisos vazios, lágrimas profundas e pensamentos duradouros - guardados, neste momento, como que para sempre - mas que logo, serão vagos e, então, faltos. Essa não surpresa existe pelo conhecimento das primeiras emoções, fruto da vida e da vontade que, felizmente, ainda arde e bate dentro do peito; conhecimento também da fatalidade que se segue com o abandono dos primeiros pensamentos, vinda do ciclo vicioso em que insistem nos converter. (Ciclo esse onde vivemos, vivemos... e mal sentimos. Que, de forma inexplicável, rouba-nos a sensibilidade e tudo que ainda teimo eu acreditar ser inato ao homem.)
SOUZA, Daniele.
*Crônica publicada no Jornal ComCausa em setembro de 2009.
*Crônica publicada no Jornal ComCausa em setembro de 2009.