quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Janela d'alma

Por ti tateio os relevos da vida
Desbravo contornos, desgostos, anseios
Descubro sabores, desperto desejos
Encontro coragem e sigo a lida
Se te aprendo usar, apaixono-me ainda
Pelo que há no entorno semelhante a magia
Adornado de modo a conferir alegria
Conferindo vontade de te apresentar para a vida
SOUZA, Daniele.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Saqueador da liberdade

Vou vos amando
E esses vos são muitos
Que nem conheço quantos
Ora um por sua vez
Ora todos, sem miudez
Porventura chama amor
Tão grotesca estupidez?
Já não sei

Vou vos amando
E amo tanto e como amo!
Eternos dias, vezes meses
Amo, num segundo, anos
Sem querer amar, eu amo
Sem poder amar, insisto
Sem saber dosar, sobejo
Sem ter um porquê, esfrio

Vou vos amando
E demasiado enlouqueço
De tão atônito, desatino
Com um amar que não controlo
Por um descanso que não atinjo
E abusando livre-arbítrio
Jamais perdoa, sai amando,
É destemente do perigo

E de negar proposições
A despeito do esperado
Que de amor se faz a vida
Não procede no meu caso
Invés disso, vou perdendo
A prática do raciocinar
Aos poucos me vou morrendo
Por não saber desamar

Sonho um amar humilde
Amar comum, bem comedido
Mas é moléstia e senão crime
Fantasiar um tal deslize
Do que se ufana e não permite
Que por si só se pronuncie
E mostre-se como me é lícito -
Não vassalado nem medíocre

Mas que amar deseducado
Falta-lhe garbo, é estabanado
Porquanto vai sozinho amando
Sem ter alguém agradecido
É este meu amor martírio
E a duras penas vou levando
Amor que é auto-corrosivo
E cuida de deixar-me em prantos

Sem permissão, vem me agredindo
O que tampouco escolhi
E, ainda assim, chamo de meu
Visto que com ele nasci
E assim prossegue o iníquo
Violentando meu espaço
Reprimindo-me o direito
De escolher o meu amado
SOUZA, Daniele.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Sonho-te apenas

Medo, insegurança, receio pela felicidade constada no pensar no que não devo. Surge aquele frio na barriga que logo remete a imagem do ser mais próximo a perfeição que há a mim.

Penso: "Não quero, não posso, não devo pensar." Entretanto, em mais uma sabotagem de minha mente, como em câmera lenta, em imagens seriadas de tuas mais belas expressões, vejo-te - mesmo com olhos fechados; teu cheiro sinto - inebriante demasiado; arrisco-te um beijo - e mui culpada fico.

Meu querer por ti tão intenso apresenta-se que me leva a ressignificar e reconstruir, ainda que involuntariamente, cada palavra e gesto teus de forma a figurarem declarações de amor. Balela! (Quem me dera.)

Em sonhos, és meu prometido - e isto me parece tão certo, não restam dúvidas em mim.

Algo parece nos unir, aprisionando-nos a nós. Mas a realidade nos liberta e insiste em estabelecer a platonicidade de um sentimento distante do possível mas inegavelmente comigo vivo.
SOUZA, Daniele.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Bastarda

Decidi dedicar-me a difícil e inusitada tarefa de falar de mim - sobretudo daquilo que mais envergonha-me de ser: eu.

Tenho uma vida permeada por frustrações e desilusões pessoais - não interpessoais - dadas pelas minhas escolhas devassas que me obrigam a viver uma vida à espreita, desconfiada de todos, temerosa de tudo de mim.

Gosto dos momentos que me fazem esquecer meu desplante e apreciar o que há na vida de mais simples e rico: a vivência familiar, uma tarde com amigos, rir de uma piada, cantar, olhar o horizonte... Mas com igual velocidade a que vêm essas emoções, a mim raras, aterrissam em minha mente pensamentos que me condenam como impura e indigna de ser feliz ao menos por um momento.

Acaso alguém que escolhe para si a desgraça haveria de ter direito à felicidade? Não há precisão de resposta - a infelicidade converte-me brutalmente à realidade.

Rememorando o passado e vivendo este tão hostil presente, torna-se inevitável a previsão de um futuro deplorável em que, certamente, terei todos os meus mistérios violados - até mesmo aquele que há muito tenho sepultado comigo.

Há anos, tenho minhas noites reservadas para os mais profanos atos. Desde aquele tempo em que descobri prazer pelo proibido, entreguei-me à promiscuidade e tenho, então, descoberto muitos corpos. São homens e mulheres - dos mais bem apessoados e pertencentes às melhores famílias da cidade - de todas as idades, inclusive.

Em princípio, fazia-o por mero ofício; já não mais. Dou-me ao desfrute pelo mais vil prazer. Envergonho-me por isso, mas admito, quando não sou mais uma perambulante das ruas e praças - por já nem ser classificada como senhora ou senhorita -, o que mais me excita é entregar-me a tudo quanto condena a sociedade, a Igreja, a moral e o que mais há de inibidor dos reais desejos da carne humana.

Em nota, deixo registrado para quem quer que tenha acesso a estas palavras que, embora lamente não ser quem um dia idealizei, também não hesitei e jamais hesitarei em ser como sou e o que sou. Esconderei o quanto puder a minha real identidade. Afinal, o que seria de mim se estampados fossem meus títulos de mulher-dama, meretriz? Talvez nem mais seria. Haveria de ter sido morta de um cruel modo. Certamente, atacada pelos hipócritas os quais, quando sob a luz do luar, procuram-me, pois, para canalizar seus desejos, fantasias e demônios - sem saber quem de fato estão usando para tal. Estes mesmos são os que me atirariam as pedras que me levariam a um morrer severo, por dizer o mínimo, tanto que é inenarrável.
SOUZA, Daniele.
*Primeiro texto de domínio literário Realista.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Não é bem por aí

O ritmo funk tem-se estabelecido como um tema suscitador de polêmicas abordagens, ultimamente. Aos mais conservadores, é tido como algo absurdo, baixo - um estilo musical desqualificado. Aos mais abertos a experiências inusitadas, é respeitado e aclamado o "hit" do momento.

Como tudo que impõe-se de modo muito enérgico - caso do funk - este abre caminho a duas vertentes: arrebata seguidores ou cria aqueles que por ele têm total aversão. Ao meu ver, um dos motivos dessas tão distantes posturas ante ao assunto é o fato de o real propósito do tal estilo ter se perdido com o tempo e sob influências diversas.

Em princípio, o funk representava uma forma de protesto das camadas sociais menos favorecidas. Hoje, ele esboça uma alternativa de expressão tipicamente anárquica, uma espécie de bandeira às revoltas, mas erguida de forma errada e para causas erradas. Ao invés de firmar-se como símbolo de discussão social e cobrança de direitos, expôs-se de modo tão agressivo que terminou por criar universos igualmente significativos e populosos: os admiradores/consumidores de funk e os que simplesmente não o toleram.

Não entrando no mérito do ritmo, penso que a melhor estratégia de afirmação social do funk seria uma total reformulação em suas letras. Porque jamais será aceito como consumível pela maioria algo que faça apologia ao sexo, violência, criminalidade, drogas, desrespeito à mulher, banalização da vida e outros.

É preciso estar muito fundamentado nos porquês de uma causa para conquistar o respeito daqueles que se ambiociona ter futuramente como público.
SOUZA, Daniele.

Amazônia, "berço" da vida

À medida em que o homem foi escrevendo sua História no Brasil, vários aspectos de sua vida mudaram, consideravelmente. Assim, aconteceu com seus problemas e preocupações. Antes, a escravidão desmedida e e desumana. Depois, a ditadura incisiva, inflexível. Hoje, aquilo que mais lhe aflinge está ligado à natureza, ou melhor, à ruína a que estamos condicionando-a.

Somos privilegiados por possuir o "pulmão" do mundo em nossas terras - a Amazônia, uma belíssima obra de arte, prova de que Deus existe. Ela é "berço" da maior biodiversidade da Terra, acolhendo as mais belas formas da fauna e da flora. Entretanto, seres humanos, com atitudes nada racionais, têm feito a este patrimônio uma mal talvez irreparável. Matou-se boa parte dos animais que tinham-na como seu habitat e está-se, gradativamente, desmatando todo o verde que ainda resta e tanta importância tem para o todo.

Como, pois, solucionar este entrave? Uma alternativa viável seria o aumento da fiscalização, bem como aplicação de multas àqueles que promovessem desmatamentos não autorizados. Coibindo, assim, práticas criminosas de indivíduos ignorantes ou omissos quanto à questão do prejuízo que causam a tantos seres.

Contudo, há de se convir que nada envolvendo o ser humano resolve-se de modo tão simples e pacífico. Existem questões sobre essa possível forma de solução muito complexas mas, no entanto, bem previsíveis. Pois é certo que, no processo de fiscalização e aplicação de multas aos infratores, haja corrupção, suborno e toda sorte de negociação ilícita, aumentando ainda mais a gravidade da situação - porquanto se violência gera violência, corrupção também gera corrupção e, assim, dá-se uma cadeia de irregularidades absurdas. Tudo isso conota o egocentrismo e, paralelamente, a estupidez humana perante tal assunto.

É bem verdade que ações limitadas não poderão mudar o caminho para o qual está sendo conduzida a Amazônia: à destruição. Deve-se ter ciência de que somente com uma conscientização conjunta e, consequentemente, uma ação coletiva é possível reverter, ao menos em parte, os males pelos homens causados e a eles convertidos em forma de uma redução na qualidade e vida e, quiçá, se nada for feito para mudar, em uma extinção da vida, futuramente.
SOUZA, Daniele.
*Dissertação que me garantiu aprovação no ENEM 2009.

"Todos pela Educação"

O "Todos pela Educação" é mais uma das inúmeras frases de efeito utilizadas pelo Estado para "maquiar" a verdade. Afinal, todos pela educação envolve um considerável número de pessoas com objetivos afins que deveriam trabalhar em unidade: governo, escola, família, educadores, alunado e comunidade. Essa interação é precisa mas, ao que consta, passa longe da realidade.

Se o objetivo de todos fosse formar cidadãos ativos e, por conseguinte, um país digno, as ações dessa totalidade seriam completamente invertidas. No entanto, não é interessante para os superiores da pirâmide econômica que a educação seja, de fato, educada e que transforme seus discípulos. Isto implicaria uma série de alterações começadas pela base e propagadas até seu topo. Com isso, certamente seríamos representados por outro símbolo geométrico. Quem sabe uma esfera, remontando uma visão global e mais uniforme.
SOUZA, Daniele.

Grave: greve, guerra!

Injustiça, impunidade.
Descontentamento, balbúrdia.
Gritos, protesto.
Indiferença, apatia.
Faixas, tinta na cara.
Intolerância, resistência.
O quê? Greve, guerra!
Salário! Reajuste! Direitos!
Quem? Governador? Prefeito?
Ninguém.
Vozes!? - caladas.
Faixas!? - rasgadas.
Salários!? - defasados.
Dignidades!? - violadas.
Na praça, vestígios.
Nos corpos, marcas.
Nas mentes, um sonho,
Uma lembrança frustrada.

SOUZA, Daniele.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Gestação do colapso social

Cenário: Nova Iguaçu; acontecimento: professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental que fazem a chamada "dobra" recebem por esta apenas a metade do que deveriam. Trocando em miúdos, cidadãos trabalham dobrado - às vezes, mais do que isso - e não tem aquilo que lhes é de direito: o salário equivalente à tarefa a que se dedicam.

Fosse há um tempo atrás, em que a tolerância ao descaso social era menor, esta manchete - que poderia ser de qualquer jornal da Baixada ou, até mesmo, do Brasil - teria respostas nada agradáveis aos seus causadores. Nela, observo um episódio que, de tão comum, tornou-se, ao ver de muitos, banal. É importante, contudo, que, principalmente esses, atentem para o fato de que a lesão aos educadores causadas não limita-se à relação de profissionais da categoria, mas, com propriedade, extende-se atingindo a clientela por eles atendidos: pais e alunos, família, base social.

Uma teoria científica que há muito convencionou-se usar como ditado popular - por sinal, muito pertinente - afirma: Toda ação sofre uma reação. (Com algumas adaptações aqui ou acolá, mas em suma, é isso.) Pensando nisso, gostaria que voltássemos nossos dotes de cidadãos para avaliar a situação que aqui se expõe sob uma perspectiva ampla e global - coisa que em nossa agitada vida não nos prestamos a fazer. É notório que o dado apresentado tem como tema a educação. E, para melhor entendermos o mesmo, primeiramente, abordaremos sobre suas causas - que, por um acaso, são justamente onde se pode buscar hipotéticas soluções, propostas - e, enfim, as consequências de uma educação decadente - que já estamos saturados em espectar e, ainda mais, de protagonizar. Acompanhar esse raciocínio é o mesmo que pensar: "Que ações estão provocando tais reações no âmbito educacional?" E eis que, sem levar o pensamento muito ao longe, é possível encontrar algumas respostas coerentes.

Na estrutura do problema encontra-se o governo - não um governo qualquer, mas uma sucessão deles - que, desde sempre, tem "maquiada" a sua real função: alienar a massa. Dito de outra forma, seu propósito maior, ao contrário do que é propagado nos veículos de comunicação através de mensagens já pouco convincentes, não é de formar cidadãos, nem tampouco conceder a alguém condições dignas de vida, mas criar "máquinas" reprodutoras de uma realidade mesquinha que cada vez mais o fortalece e solidifica.

Em direção contrária a essa postura governamental estão os professores. Mas estes, infelizmente, são tão limitados quanto a maioria de nós. Enfrentam, diariamente, além de seus desajustes pessoais, a falta de subsídios para realização de um trabalho com maior eficácia; má remuneração - o que lhes confere a necessidade de trabalhar em vários turnos, comprometendo, certamente, a saúde; desestrutura física e psíquica do profissional que, como se não bastasse tudo o que tem de enfrentar, é desvalorizado; e outros.
O aluno, por sua vez, é receptor da deficiência do governo e do professor; é vítima de um ensino que, falando abertamente, a ele não faz sentido algum; é condicionado a um baixo rendimento escolar devido a agravantes como má alimentação; e, assim, é quase forçado a procurar meios que lhe deem um retorno mais rápido e consistente que a escola, segundo suas exigências e necessidades, como o trabalho - tendo como principal oferta a ilegalidade, a criminalidade.

Com um panorama superficial do sistema em que vivemos, chegamos a uma de suas numerosas consequências: a exclusão social daquele que não cumpre as exigências civis. Daí extraímos mais uns "derivados tortos" dessa exclusão: o não engajamento desse excluído em momento algum no mercado de trabalho e na sociedade, a total marginalização - uma espécie de "empurrão" para a prática da violência. Que, evidentemente, converte esse triste retrato inflexível da sociedade em retornos gravíssimos.

O interessante é ver o mesmo poder que molda bandidos, puni-los por uma realidade caótica estabelecida a que, pode-se dizer, fomos todos conduzidos. Mas, como brasileiros que somos - quer queira, quer não queira -, não devemos perder as esperanças! Para reparar ou recuperar toda uma história de sofrimento e dor a que uma vida foi sujeita, ironicamente, são utilizados investimentos maciços em extermínio dos mesmos e/ou amontoamento dos delinquentes em prisões indignas de abrigar animais - o que diremos de seres que, ao que me consta, são humanos.

Há milhões de Marias, Franciscas, Joãos e Josés - todos da Silva - espalhados por aí, os quais não tiveram ao menos a chance de tentar lutar por seus direitos, reafirmar sua dignidade, ou mesmo conquistá-la. Uns, por nunca tê-los querido. Outros, talvez, pelo fato de não os terem apresentado tal possibilidade.

Se algum dia o contrário acontecesse, tenho em mim que, então, conheceríamos algumas soluções para as impunidades que de nós tira a humanidade. Resgataria, quem sabe, um pouco daquele orgulho que sentia quando criança ao ver hastiada a bandeira - orgulho, hoje, literalmente sem eira, nem beira, sem paredes, teto ou chão; daquele patriotismo ufano, esquecido e empoeirado nos livros de velhos guerreiros, saudosos do passado, envergonhados do presente e desesperançosos quanto ao futuro que esperam não conhecer.

Permito-me, nas últimas palavras, ressaltar que não me surpreenderia saber que estas, se ouvidas ou lidas, podem despertar sonhos e desejos revolucionários, acordar corações amantes da vida - ansiosos por honra, ordem e progresso -, arrancar sorrisos vazios, lágrimas profundas e pensamentos duradouros - guardados, neste momento, como que para sempre - mas que logo, serão vagos e, então, faltos. Essa não surpresa existe pelo conhecimento das primeiras emoções, fruto da vida e da vontade que, felizmente, ainda arde e bate dentro do peito; conhecimento também da fatalidade que se segue com o abandono dos primeiros pensamentos, vinda do ciclo vicioso em que insistem nos converter. (Ciclo esse onde vivemos, vivemos... e mal sentimos. Que, de forma inexplicável, rouba-nos a sensibilidade e tudo que ainda teimo eu acreditar ser inato ao homem.)
SOUZA, Daniele.
*Crônica publicada no Jornal ComCausa em setembro de 2009.

Abortei-te, amor

Por não haver discórdia entre nós
Por faltar-nos a agressividade
Por não haver uma lágrima no chão
Por nem mais me dar ao luxo da vaidade

Por não saber se inda te aprecio
Por falta de assunto e devaneios
Por seres indiferente ao meu grito
Por já desconheceres o meu cheiro

Por não achar beleza no teu riso
Por não parar o tempo quando o vejo
Por não querer te ter quando preciso
Por não fazer mais falta teu desejo

Devolvo-te o peso que vai tarde
E com alívio, aproveito o ensejo
Que é para ti a culpa desse amor
Que a mim foi como um pesadelo
SOUZA, Daniele.