Pensando vivo, e, em razão disso, o que tenho é vergonha. Envergonho-me da geração atual que povoa o mundo e por fazer parte dela. Por estar incluída num grande corpo - a que denomino, aqui, juventude - que não tem mobilidade, vontade, ação. Uma juventude expectadora da vida, passiva e, por hora, inanimada.
Lá fora o mundo gira. O mundo é braço, o mundo é perna, é cabeça, é o conjunto. Mas, afinal, a que se aprisiona o corpo, para que tão atrofiado venha ser? Aprisiona-se a uma filosofia de vida particular, algo de caráter rijo e engessado. Dele, vê-se a banda passar, a crise estourar, a guerra desencadear, a África morrer, a educação falir, a política se vender, o ambiente perecer. E o corpo... O corpo é cego, é surdo, mudo, estático para o que há com real importância.
Diante de tais colocações, devo afirmar que não sou a juventude, definitivamente. De antemão, declaro que sou estrangeira numa juventude que não atravessou um portador de deficiência visual na rua; não deu lugar a um senhor ou gestante para sentar; não plantou uma árvore; não doou um alimento; não pintou sua cara, nem saiu às ruas; não perdeu seus sentidos, família, amores e amigos por uma causa nobre; não suplicou justiça; antes, inspirou piedade - não por ser vítima, mas hostil, covarde.
E o que faz essa massa hemiplégica enquanto a vida passa num galope constante e cadência acelerada? Descreverei, pois, o modo de vida terrivelmente previsível e nauseante levado pela dita juventude. Seu ambiente é festa, baile, morro, esquina, mundo. Vive de dançar, beber, tragar, cair, levantar, procriar... (Sim, procriar. Povoar a Terra de vítimas da indignidade, do desprezo, mesquinhez, desamparo, fome e sede - de alimento e mais, de afeição.) O que se tem? Desejo, vontade, impulso, extinto - típico de irracionais. E o que se faz? Faz-se filho, faz-se ignorância, faz-se arrogância, faz-se ruina, faz-se perpetuar uma classe de seres humanos cada vez mais dotada de traços essencialmente animalescos.
Nesses passos, procura-se nas curvaturas da vida e naquilo que compõe a esfera material, algo que complete o ser e o alimente naquilo que é mais escasso e necessitado - algo abundante no campo em que se é ignorante: o espiritual. Campo que rege a Terra, seus habitantes, suas ações. Mas ainda desconhecido, que não se sabe buscar entender, nem tampouco conhecer.
Para cessar a fome de uma alma em gritos, manifesta-se, pois, a carne, alimentando-se de mediocridade e leviandade, dando às indagações e carências mais profundas, soluções grosseiras e hipocritamente convincentes.
Como estrangeira, valho-me de uma interação com o mundo. Não abandonando, contudo, a preocupação de estar impermeabilizada durante este processo. Sigo em uma caminhada solitária, com ações isoladas, tentando impor-me e mostrar que sou diferente dessa realidade que tornou-se mais do que comum, mas normal, de tanto que é banal.
Aprendi que, neste mundo, não se pode ser substância pura. Há de se escolher ser, então, uma das bifurcações de mistura. Escolhi, para tanto, das misturas ser a heterogênea. Mesmo sendo esta a escolha mais criteriosa e enérgica. O que a diferencia da outra é que, em longo prazo - sendo eu heterogênea, diante dessa perspectiva de mundo contemporânea - construirei uma história totalmente perpendicular a que a maioria, homogênea, está condicionada a pertencer. (Não sendo os homogêneos autores de sua própria sina, mas receptores de um legado que lhes foi imposto desde que tornaram-se alienados, insensíveis e inconscientes - tento eu, ainda, resistir a ideia de que isso possa ter ocorrido no exato instante em que nasceram, ou mesmo, quando tiveram ciência de que existiam.)
SOUZA, Daniele.